Desta vez, a Maria João teve sorte. Nunca tinha visto uma médica chorar. Foi a Maria João que puxou as lágrimas, quando a Dra. Teresa lhe disse que não havia mais metástases dentro dela. Ficámos os três a chorar e a olhar para os outros a chorar. A minha amada já tinha esquecido o futuro. Já não queria saber da casa nova, do tecido para forrar os sofás, do Verão seguinte. Estava convencida que estava cheia de metástases. Doía-lhe o corpo todo. Tinha desanimado. Estava preparada para a morte. Só a morte é mais triste. Tinha-se preparado para ouvir o que já sabia, para não se assustar quando lhe dissessem que o cancro na mama tinha voltado e que se tinha espalhado por toda a parte.
Depois - mas não logo, porque não é de momento para o outro que se desmorre - voltou a ver vida pela frente. Reapareceu um horizonte e um caminho até lá, com passos para dar. "São tão raras as boas notícias", disse a médica, "e é tão bom dá-las, vocês não imaginam". Nós não imaginámos. Começámos a chorar. As lágrimas ajudam muito. As dos outros especialmente. Chorar sozinho não tem o mesmo efeito. A Maria João tem chorado por razões tristes. Desta vez estava a chorar de felicidade.
Como chora cada vez que ouve ou lê palavras doces, a dar força, a partilhar a dor, a juntar-se para que ela saiba que há muita gente a sofrer com ela, tal é a vontade delas que ela não sofra. Ou sofra pouco. Embora isto de se ficar vivo também se estranhe um bocadinho.
Eu nunca fui gaja de ligar muito ao calçado. Primo pelo confortável. Se andar vinte vezes num ano de salto alto é muito. Não é que não os tenha. Apenas prefiro andar de um lado para o outro sem o perigo iminente de me estatelar no chão. Ainda assim, não consigo ficar indiferente a estas Jeffrey Campbell. Eu nunca daria quase 300 euros por uns sapatos, mas isso não apaga o facto de eu as adorar e de as querer, muito.
As saudades que eu tenho de ir lanchar "fora". Trabalhar de tarde impediu-me de ir tomar aquele café da tarde, de trincar aquele muffin de chocolate, de comer aquelas torradas cheias de manteiga, e eu, esfomeada e gulosa como sou, todos os santos dias me queixo, sozinha, do meu triste fado. Mas isto vai mudar. As aulas vão acabar, os meninos entram em férias e as explicações param na época de Natal. E eu, vou matar a barriga de misérias.