As minhas aulas de CPEDS (Cultura Portuguesa da Época dos Descobrimentos) fazem-me lembrar a missa.
O Professor está centrado e sentado à nossa frente. A aula consiste em leituras de relatos de Frades e Freis (porque eram os únicos letrados nesta época) e todos os textos estão em português arcaico. A dada altura percebe-se qualquer coisa como "espalhar a palavra do Senhor e evangelizar aqueles que não têm vergonha das suas vergonhas". São duas horas disto, mais coisa menos coisa. Cada aula é uma prova de resistência ao sono, à paciência e à dedicação. Não há uma única aula em que não haja mais de um aluno a sair a meio da aula ou mesmo meia hora depois de a aula ter começado e ir-se embora. Eu, que não tenho por hábito, nem nunca tive, de sair a meio de uma aula, vejo-me na permanente tentação de me manter na sala. Qualquer desculpa para aliviar a minha consciência serve. Ir buscar uma água, um café, alguma coisa para trincar para mim ou para algum colega, ou mesmo ir á biblioteca ver se aquele livro já está requisitável, ou se aquela cota está correcta.
No meio disto tudo eu tenho pena do Fardilha porque ele percebe o enorme tédio que todos nós sentimos. Até a velhota que não se cala nas outras aulas, a Fernanda, adormece na aula. E é por ter pena do Fardilha que continuo a ir às aulas de CPEDS, que continuo a olhar para ele fixamente a acenar com a cabeça, sorrindo, e com a caneta na mão a tirar alguns apontamentos. Entretanto olho lá para fora, vejo as pessoas a entrar e a sair da faculdade, vejo caras conhecidas e outras que não quero ver. Às 16horas e 30minutos fico à espera que o Daniel saia da sala para olhá-lo livre de intenções e para me debater nos minutos seguintes com a questão para onde é que ele irá para sair
todas as aulas àquela hora. Depois volto a olhar para o Fardilha e volto a sorrir. A caneta vai ao caderno, escreve três palavras que a cabeça apanhou da poeira do ar, e desenho um coração porque é a única coisa que sei desenhar bem.